A valorização do salário mínimo e a recuperação da atividade econômica

Foto: Rafael Neddermeyer/ Fotos Públicas
Foto: Rafael Neddermeyer/ Fotos Públicas

A notícia do aumento do salário mínimo para R$ 880,00, a partir de janeiro de 2016, causou alvoroço entre acadêmicos e economistas, por conta dos impactos que essa medida poderá trazer para a economia do país e para a sociedade como um todo. A regra institucionalizada de valorização real do salário mínimo incorpora, em seu reajuste, a inflação do ano imediatamente anterior e o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do ano anterior a este último. Assim, o salário mínimo de 2016 foi reajustado pela inflação de 2015, mais a variação do PIB de 2014.

A política de elevação do salário mínimo vem recebendo críticas por parte da ortodoxia, sendo comemorada pela heterodoxia. Ambas merecem reparos.

A ciência econômica é uma ciência social e, como tal, apresenta uma série de entendimentos sobre um mesmo assunto. Isso faz com que temas como a valorização do salário mínimo estejam cercados de diversas interpretações sobre seus efeitos. As principais escolas do pensamento econômico são clássica, neoclássica, keynesiana, monetarista, austríaca etc. Desse modo, para qualquer tema econômico existem ao menos duas opiniões divergentes, uma que tem suporte no pensamento dominante (ortodoxia) e outra que se baseia no pensamento crítico (heterodoxia).

Os ortodoxos acreditam na capacidade de o livre mercado equacionar os desafios da organização social e produtiva do capitalismo – logo, são pela não intervenção do Estado na ordem econômica. Já os heterodoxos, em sua grande maioria, defendem que o Estado é um ator importante para orientar, controlar e direcionar os rumos da economia. Para estes últimos, o planejamento econômico estatal é um mecanismo relevante para se alcançar o crescimento e o desenvolvimento socioeconômico.

Os que se incluem no primeiro grupo reacendem o debate por meio do argumento de que a rigidez do aumento real do salário mínimo não permite que este seja associado ao aumento da produtividade e que, pelo fato de este ser a referência para o reajuste dos benefícios assistenciais e previdenciários (abono salarial, Benefício de Prestação Continuada – BPC, e aposentadorias e pensões do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS), os gastos do governo com esses benefícios pressionam as contas públicas , em especial a Previdência, tornando-se supostamente insustentável a médio e longo prazos. Já aqueles que se encontram no segundo grupo defendem que a elevação do salário mínimo contribui para dinamizar a atividade econômica, na medida em que eleva o consumo e, por consequência, a produção e o emprego.

Ao tratar o tema da produtividade exclusivamente pela ótica dos salários, aqueles que se opõem à sua valorização responsabilizam a elevação dos salários acima da produtividade pelo aumento da inflação e a potencial redução dos lucros (função do aumento dos custos do trabalho), o que prejudicaria a própria atividade econômica. Essa visão fica clara no documento apresentado pela Confederação Nacional das Indústrias (CNI) como proposta para os candidatos à eleição de 2014. Segundo a proposta, a elevação dos custos do trabalho, isto é, a sua “trajetória ascendente é particularmente preocupante para o setor industrial, no qual os custos do trabalho representam um percentual significativo dos custos totais. De acordo com a última edição da Pesquisa Industrial Anual (PIA), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os gastos de pessoal representavam, em 2011, 15,85% dos custos e despesas totais da indústria extrativa e 14,40% dos custos totais da indústria de transformação“.

Como se vê, esses custos, a despeito de todo o crescimento real dos salários no período recente, representavam cerca de 15% dos custos e despesas totais da indústria em 2011.

Existe uma ampla literatura que enfatiza que a produtividade do trabalho aumenta, sobretudo, sob o impulso das inovações, em especial aquelas que vêm incorporadas a novos bens de capital, isto é, de investimentos produtivos.

Os ortodoxos, ao invés de culpar a elevação dos salários, poderiam se posicionar contra a política restritiva de elevação da taxa de juros, amplamente defendida por eles como mecanismo para conter a inflação. Essa política traz impactos muito mais perversos para a dinâmica econômica do que o aumento dos salários. Aumentar a taxa de juros desincentiva investimentos produtivos, restringe a capacidade de gasto do Estado, ao ampliar os custos e a própria dívida pública. Essa política monetária de juros elevados que vem sendo adotada nos últimos anos encareceu os custos para o setor público dos empréstimos subsidiados feitos pelo BNDES às empresas brasileiras.

Os empréstimos impulsionados pelo Programa de Sustentação de Investimentos (PSI), lançado em 2009, elevaram investimentos em diversos setores e favoreceram a iniciativa privada a sustentar seus lucros e ampliar sua capacidade de produção. No entanto, o diferencial de juros entre a capitação (emissão de títulos à taxa Selic) e os empréstimos subsidiados do BNDES (geralmente abaixo da inflação) pode acarretar uma ampliação considerável da dívida pública.

Brasília - Ministro do Trabalho e Previdência Social, Miguel Rossetto, fala a imprensa sobre o novo o salário mínimo em vigor a partir de janeiro de 2016: R$ 880,00 (Valter Campanato/Agência Brasil)
Brasília – Ministro do Trabalho e Previdência Social, Miguel Rossetto, fala a imprensa sobre o novo o salário mínimo em vigor a partir de janeiro de 2016: R$ 880,00 (Valter Campanato/Agência Brasil)

A elevação da dívida do setor público tem sido utilizada como o argumento central da visão ortodoxa, que a responsabiliza pelo agravamento dos problemas econômicos e da crise. Porém, a responsabilização da elevação da dívida e a proposição de políticas monetárias restritivas (elevação de juros), que encarecem os custos da dívida, deprimem a atividade econômica e diminuem a arrecadação, o que amplia a própria dívida, são uma contradição inerente à visão ortodoxa.

Culpar exclusivamente o Estado pela crise é um argumento bastante comum e antigo de transferência de responsabilidades que se soma aos interesses privados na desregulação do mercado de trabalho. Essa visão reproduz, como um dogma, o argumento de que as diminuições da dívida pública e do tamanho do Estado são a única solução para a retomada do dinamismo da atividade econômica.

O argumento de que a elevação das despesas com a Previdência social só poderia ser enfrentada por novas reformas que, em grande medida, acabam por suprimir direitos, também ganha força no interior da ortodoxia. No entanto, a realidade não tem confirmado esse argumento. Segundo Fagnani (2015), a questão financeira da Previdência é agravada, especialmente, pela retração das receitas decorrentes do baixo crescimento econômico e do mercado de trabalho, como se verificou entre 1990 e 2002. A reativação do crescimento econômico na década passada permitiu que o setor urbano da Previdência se mostrasse superavitário, ainda que os benefícios da base tivessem seu valor ampliado pela política de valorização real do salário mínimo desse período. Nesse sentido, as contas da Previdência exigem crescimento da atividade econômica e a expansão do emprego e não a redução/estagnação de salário.

É inegável que a política de reajuste do salário mínimo teve impactos relevantes para a queda da desigualdade de renda nos últimos anos, no Brasil. Hoffmann (2014) estima que pensões e aposentadorias associadas ao salário mínimo contribuíram com aproximadamente 10% para a queda da desigualdade de renda (medida pelo índice de Gini) entre 2001 e 2012. Os rendimentos do trabalho que contribuíram 44% para esse movimento também podem ser relacionados à evolução do salário mínimo. A contribuição dos benefícios associados ao Bolsa Família e ao BPC (este referenciado ao salário mínimo), apesar de terem um baixo peso em termos de participação na renda total, também foi significativa (mais de 17% para a queda da desigualdade nesse período).

Foto: Rafael Neddermeyer / Fotos Públicas
Foto: Rafael Neddermeyer / Fotos Públicas

No entanto, quando se observa os dados mais recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2014, a sociedade brasileira, a despeito de ter presenciado uma melhoria de sua distribuição de renda nos últimos anos, ainda apresenta um alto grau de concentração da renda. Essa pesquisa aponta que os 10% mais ricos se apropriam de aproximadamente 40% da renda familiar total, valor ligeiramente menor que os 43% apropriados por 80% da população. Souza e Medeiros (2015) estão entre os que atribuem à elevada concentração de renda no 1% mais rico da sociedade e à sua manutenção ao longo do tempo um dos principais fatores de perpetuação da desigualdade no Brasil.

Ainda que essa política seja incontestavelmente uma fonte de redução da desigualdade de renda corrente e de permitir a elevação da demanda agregada pelo aumento do consumo, parte da heterodoxia tem esquecido um ensinamento importante de John Maynard Keynes, um dos principais economistas do século XX:  o consumo está relacionado às decisões de produção no curto prazo da economia. Isso quer dizer que crescer exclusivamente com base nessa variável possui um prazo curto de validade.

Desse modo, o modelo de crescimento orientado predominantemente pelo incentivo ao consumo tem demonstrado sinais de esgotamento. A elevação do salário mínimo foi importante para a elevação do bem-estar e a redução da desigualdade devido ao crescimento da renda das famílias (mercado de trabalho e proteção social). No entanto, uma nova matriz deve ser concebida para que haja uma combinação entre crescimento econômico, aumento da produtividade, elevação dos níveis de emprego e renda (salários) e redução da desigualdade. A chave para alcançar esses objetivos encontra-se, certamente, em outro ensinamento de Keynes, qual seja, a dinâmica econômica de longo prazo depende dos novos investimentos que a economia é capaz de gerar.

É evidente que o caminho para tal passa longe de políticas que deprimam a atividade econômica como a redução/estagnação dos salários da base da economia (salário mínimo), a elevação da taxa básica de juros, o corte de gastos em investimentos, em educação, em saúde, ou em benefícios sociais. Estas são políticas extremamente danosas à economia e, principalmente, para a sociedade como um todo, na medida em que elevam o desemprego e reduzem a oferta de serviços básicos à reprodução da vida em sociedade.

Portanto, o debate sobre a valorização do salário mínimo precisa ser ampliado. A política de valorização não pode ser responsabilizada como um fator de agravamento da crise nem pode ser vista como solução central para o Brasil sair da conjuntura adversa atual. A saída precisa ter na retomada do investimento produtivo o seu elemento estratégico.

 Referências

Fagnani, E. Por que o poder econômico odeia a Previdência social? Caminhos para o desenvolvimento. Plataforma Política Social: Junho, 16 de 2015.

Hoffmann, R. Fatos relevantes sobre a distribuição da renda no Brasil. Texto referente à participação do autor no 52º Congresso da SOBER, Goiânia, 27 a 30 de julho de 2014.

Souza P. H. G. F e Medeiros M. Top Income Shares and Inequality in Brazil, 1928-2012. SID, Porto Alegre, v. 1, n. 1, p. 119-132, jul.-dez. 2015.

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cassiano-trovao

Doutor em Desenvolvimento Econômico pelo Instituto de Economia da UNICAMP.

Politicário

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